domingo, 8 de maio de 2011

Dos Adeuses

(Flor dos Três Corações por ACRebouças, Rio de Janeiro, 2011
Para Sibele Rebouças, minha outra mãe."...todos os encontros são adeuses..."
(Mário Quintana)

Muito cedo aprendi que a vida é tecida fora a fora por adeuses. Sim, a vida é mesmo toda feita de adeus. E foi na altura dos meus oito anos de idade, assim realmente tão cedo, que aprendi, por exemplo, o que é perder a convivência diária de um grande amor. Grande amor, a esta época da vida, só poderia mesmo ser daqueles que habitam o mesmo lar: uma tia amável, quem me cuidou desde o nascimento e bem ao seu modo particular: laços de fita, dança na chuva, pão-de-ló oferecido no meio de uma tarde qualquer, beijo morno na testa tal qual pétala em queda. É, o meu primeiro grande adeus me chegou – e talvez só poderia mesmo vir assim – das incoerências do amor.
Adeuses desvelados um a um, na mansidão dos outonos e primaveras, na euforia dos verões ou na calmaria tristonha dos invernos. Adeuses de todas as naturezas, tons, intensidades, loucuras vida e estações afora. No caso precoce e específico da minha tia, casou-se e partiu para viver em outra cidade longe dali, onde vivíamos um tipo de dia a dia que fazia zelo e afetos. Foi realmente um duro e dolorido adeus. Passadas quase duas décadas, aliviou-me, e alivia, o fato da minha tia permanecer junta a seu grande amor até os dias de hoje, notável raridade em tempos nossos de tamanha fluidez dos laços todos.
Confesso que, àquela época, já experimentava, junto com a sensação progressiva da perda, o ciúme, este primo próximo do adeus que não se desejou – ou do risco de. Sim, chegava-me a frieza cortante do ciúme ao vasculhar clandestinamente pela fresta da janela, e na pontinha dos pés miúdos, os beijos e abraços amorosos de namorados inundados da luz do luar. Todavia, aquietava-me o coração e roubava-me o mais feliz dos sorrisos de dentes de leite quando voltava das sessões de luas apaixonadas e me dedicava doces canções de ninar, tão bem entoadas em sua voz suave. Entendia então que não se tratava de adeus: amor que é amor é, pois, recorrente. O amor: renovadas idas e vindas, de esplendor e adeus.
Longe dos tempos de dentes de leite, aprendi, entretanto, que há adeuses enquanto fatos e processos: longas partidas, a passagem do tempo, novas formas de, o extremo da morte. E todo mundo lida, ao seu próprio modo, com os adeuses que lhe chegam implacavelmente, pois sempre chega o adeus. E o bonito da vida está nesta infinidade em se recriar sobre as circunstâncias. Há então quem se confine nas memórias; há quem se alimente dos lamentos. Há quem viaje o mundo; há quem prefira o bar. Há os adeptos da fé; há os que saem para bailar; e há quem compre compulsivamente. Há quem se dedique exaustivamente à poesia; há quem prefira um caminhar solitário à procura de. Há tantas formas de se reencontrar...
...dentre os tantos adeuses, o único enfim ao qual não podemos ceder é o de nós mesmos...
Ana Clara Rebouças

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