(Flor dos Três Corações por ACRebouças, Rio de Janeiro, 2011 |
Para Sibele Rebouças, minha outra mãe."...todos os encontros são adeuses..."
(Mário Quintana)
(Mário Quintana)
Muito cedo aprendi que a vida é tecida fora a fora por adeuses. Sim, a vida é mesmo toda feita de adeus. E foi na altura dos meus oito anos de idade, assim realmente tão cedo, que aprendi, por exemplo, o que é perder a convivência diária de um grande amor. Grande amor, a esta época da vida, só poderia mesmo ser daqueles que habitam o mesmo lar: uma tia amável, quem me cuidou desde o nascimento e bem ao seu modo particular: laços de fita, dança na chuva, pão-de-ló oferecido no meio de uma tarde qualquer, beijo morno na testa tal qual pétala em queda. É, o meu primeiro grande adeus me chegou – e talvez só poderia mesmo vir assim – das incoerências do amor.
Adeuses desvelados um a um, na mansidão dos outonos e primaveras, na euforia dos verões ou na calmaria tristonha dos invernos. Adeuses de todas as naturezas, tons, intensidades, loucuras vida e estações afora. No caso precoce e específico da minha tia, casou-se e partiu para viver em outra cidade longe dali, onde vivíamos um tipo de dia a dia que fazia zelo e afetos. Foi realmente um duro e dolorido adeus. Passadas quase duas décadas, aliviou-me, e alivia, o fato da minha tia permanecer junta a seu grande amor até os dias de hoje, notável raridade em tempos nossos de tamanha fluidez dos laços todos.
Confesso que, àquela época, já experimentava, junto com a sensação progressiva da perda, o ciúme, este primo próximo do adeus que não se desejou – ou do risco de. Sim, chegava-me a frieza cortante do ciúme ao vasculhar clandestinamente pela fresta da janela, e na pontinha dos pés miúdos, os beijos e abraços amorosos de namorados inundados da luz do luar. Todavia, aquietava-me o coração e roubava-me o mais feliz dos sorrisos de dentes de leite quando voltava das sessões de luas apaixonadas e me dedicava doces canções de ninar, tão bem entoadas em sua voz suave. Entendia então que não se tratava de adeus: amor que é amor é, pois, recorrente. O amor: renovadas idas e vindas, de esplendor e adeus.
Longe dos tempos de dentes de leite, aprendi, entretanto, que há adeuses enquanto fatos e processos: longas partidas, a passagem do tempo, novas formas de, o extremo da morte. E todo mundo lida, ao seu próprio modo, com os adeuses que lhe chegam implacavelmente, pois sempre chega o adeus. E o bonito da vida está nesta infinidade em se recriar sobre as circunstâncias. Há então quem se confine nas memórias; há quem se alimente dos lamentos. Há quem viaje o mundo; há quem prefira o bar. Há os adeptos da fé; há os que saem para bailar; e há quem compre compulsivamente. Há quem se dedique exaustivamente à poesia; há quem prefira um caminhar solitário à procura de. Há tantas formas de se reencontrar...
...dentre os tantos adeuses, o único enfim ao qual não podemos ceder é o de nós mesmos...
Ana Clara Rebouças
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