sábado, 1 de setembro de 2012





As Aves também Migram

Caras e caros leitores deste blog,

É com uma mescla de muita satisfação e certa nostalgia que comunico a todos que a autora deste blog que vos fala passará a alimentar um novo ninho. Sim, em virtude dos novos projetos profissionais e pessoais, estamos migrando de blog e, claro, com isto, mudando um pouco de filosofia, inevitavelmente, mas certa de que teremos momentos inusitados e de muito encanto pela frente!

Contudo, não estou querendo dizer que se dá por encerrada a vigência desta casa tão cara para mim – mesmo porque, como já disse por aqui algumas vezes: a inspiração não segue regras, conveniências, prazos (aliás, o que a poesia mais quer é contrariar normas para fins da nossa libertação) – mas apenas afirmo que há um novo espaço que será o palco principal dos meus escritos. E este se chama: www.alibom.blogspot.com.

Embora o nome inspire, devo ainda dizer que não se trata absolutamente de uma mudança radical de estilo. É verdade que a nova morada, e tão sonhada morada, tem mesmo uma finalidade de base comercial, uma vez que se vincula à uma indústria de alimentos em suas demandas de mercado, como não poderia ser diferente. Todavia se há algo que nunca poderá se controlar é a rebeldia poética das palavras. Sim, a poesia foi, é, e sempre será soberana à revelia de qualquer imperativo, das premências todas, como bem já insisti por aqui muitas vezes.

Devo ainda me antecipar e dizer para aqueles e aquelas que ainda não estejam bem convencidos(as) da possibilidade desta conciliação – talvez, pela ousadia do propósito, talvez, pelo ceticismo mesmo – que teimo em afirmar, sem hesitar um milímetro e contrariando possíveis prognósticos sombrios, que o nosso www.alibom.blogspot.com dará muito certo. Tem tudo para dar muito certo! Inclusive, este era um dos objetivos primordiais deste blog, que se chama “suspiropoema”, não apenas pela dualidade do sentido, mas justamente porque já se havia imaginado na sua origem que é no cotidiano e no inusitado das preparações culinárias ou gastronômicas que chegam às mesas dos lares, dos bares, restaurantes, cerimônias, tudo enfim, poesia vivida (melhor ainda quando mesclada com muita boemia!).

É ainda algo como afirmar que a minha prosa, quem sabe, ”poética prosa”, cedeu espaço ao cotidiano por uma questão de sobrevivência, de conveniência, mas não só isto e principalmente: por acreditar que só a poesia pode curar o dia a dia de qualquer desencantamento, ou melhor, a poesia pode dar outro sabor, outro tom, outra cor a isto que chamam de imediatismos, compromissos, prazos, barganhas, trocas, comércio, enfim, vida vivida.

Enfim, convite feito, a mesa está posta: www.alibom.blogspot.com!

Sejam sempre muito bem vindos!

Ana Clara Rebouças

domingo, 15 de julho de 2012


(por Joyce B. Freitas)



Do tempo

Nós somos feitos da mesma matéria dos sonhos.
Shakespeare

Dia desses, meu amor chegou dizendo – como bem já constatou boa parte da humanidade – que o tempo passa muito rápido. Apesar da retórica da sua conclusão, imprimiu originalidade ao acrescer:

-       O tempo passa muito rápido, uma sensação de esticar o braço e poder tocar o passado.

Dias depois, conclui:

-       Sim, podemos apenas tocá-lo, o tempo, tal como se toca em tempestades ou brisas; sonhos e utopias; ilusões e desilusões; amores e dissabores; desejos, esperanças, tudo enfim do dia de ontem que hoje, de algum modo, é também matéria viva.


Ana Clara Rebouças

domingo, 10 de junho de 2012


(Reflexos por Joyce B. Freitas)


Notas sobre Estio


Gosto da timidez do céu quando a chuva inconsolável cessa, e o tempo estia, ensolara então. Gosto dos dias cheios de sol manso, gosto de sol tímido, embora a euforia do verão sempre nos encante.

Chova ou faça sol, nas intempéries ou na bonança, temos mesmo é que aprender a amar sem exigências, sem as tais tantas cobranças-enxurradas, lapsos intempestivos, próprios do ato humano, este de amar.

Há sempre de se aprender amor isento, amor sem tanta pretensão. Amor enquanto um sentimento liso, fluido, perene: ensolarado, estio. Amor. Chova ou faça sol: amor sem condição; amor enquanto a mais fundamental condição.

Ana Clara Rebouças

segunda-feira, 4 de junho de 2012

(Por Joyce B. Freitas)

Açúcares

Disse-me o meu amor: você nasceu para mim.

Repliquei: não, não, você foi quem nasceu para mim.

Procedeu-se o direito à tréplica: mas eu nasci antes de você.

Taxativamente: e eu só vim ao mundo com a condição de aqui te encontrar.

Conclusão: o amor subverte o tempo; o amor subverte as ordens.

Ana Clara Rebouças


domingo, 6 de maio de 2012





(Concreto, por Joyce B. Freitas, Rio de Janeiro)

 http://www.flickr.com/photos/joycebfreitas

Divagações sobre ideais e possibilidades

Qualquer indivíduo é mais importante do que a Via Láctea.
Nelson Rodrigues

Chega um dado momento da existência nossa que a pessoa passa a compreender verdadeiramente que a vida é toda ela marcada pelos ideais possíveis e não exatamente por aqueles tal como Platão os pintou. Ou, como diz a sabedoria popular: caímos na real, mais cedo ou mais tarde, de que nem todo sonho é possível, nem toda utopia é integralmente viável, nem todo o fim de semana é de sol – até porque há sempre quem prefira o aconchego da chuva na janela – enfim, nem tudo são flores, como afirma também o mesmo saber que vem da vida vivida. A diferença está justo no fato de tais constatações doerem menos do que quando se é tão leviano em face ao viver; talvez, como diria Balzac, antes da idade da razão, ou como alguém que não me recordo o nome já disse: só deixamos de ser cretinos depois dos trinta, na acepção mais Aureliana do adjetivo ácido.

Pois bem, é nesta leva, neste tal momento da vida, que passamos a sofrer menos por exemplo com a troca de uma potencial e promissora carreira de qualquer coisa que seja por aquela outra que foi mais viável circunstancialmente, e que nem por isto deixa de nos trazer alegrias possíveis; ou que aprendemos a nos angustiar menos com os projetos todos – pessoais e profissionais – que mais correram rebeldes à revelia das contingências do que sobre o nosso domínio absoluto, ou seja, nem sempre perfeitos, nem sempre completamente conclusos.

Em contrapartida, aprendemos a renegociar as possibilidades, e aprendemos às custas de desilusões, desencontros, embaraços, até porque a incompletude – e já disse isto por aqui – é o que nos move, isto é, a satisfação plena não deixa de ser uma espécie de morte. No mais, o que é bonito da vida mesmo é que tudo, absolutamente tudo – desde as mais amargas experiências – vira aprendizagem, traz a doçura da aprendizagem, aquele gosto manso, aquele gosto bom de choro consolado. E aprender é sempre muito bom.

Das abstrações à vida prática, e é a partir deste tal momento revelador, é que nos convencemos sem tanta dor que a monografia poderia ter saído melhor do que foi; que o carro do ano fica para a próxima; que no novo cargo há mais percalços do que o imaginado; que o amor da vida é um ser humano, com eventuais humores e odores, e não exatamente uma entidade encantada, um Apolo, um elfo; que a festa de casamento será tão feliz se na choupana ou se no Taj Mahal, daí vai sempre mais dos valores do que dos custos, como se diz por aí. E, finalmente, nem todo mundo será um Shakespeare, um Einstein ou um Niemeyer, aliás, raras são as pessoas que serão tão fulgurantes assim. Entretanto, emociona muito ver a pessoa comum – o que de forma alguma exclui a singularidade que cada um traz, e isto é tão bonito do viver – vê-la então em sua trajetória de vida, levantando e construindo os seus possíveis com dignidade e grandeza. Daí é o funcionário público que se esmera para cumprir com excelência a sua função e em serviço do outro; é o professor que lapida vidas dia a dia, palavra a palavra bem escolhidas; é a doméstica, o operário civil, o corretor de imóveis, o artista de rua, o cientista, a presidenta da república.

Dia desses mesmo, eu me emocionava muito com a administradora de um antigo edifício comercial, desses impregnados de velhas histórias e novos anseios, que fazia das tripas coração para salvá-lo da completa decadência, da falência total. Foi preciso minimamente reconhecê-la – como clama todo ser humano no exercício diário do seu viver. Melhor, foi preciso elogiá-la intensamente no tanto de doação de existência que ela vertia ali dia a dia, minuto a minuto, gota de sangue, gota de suor. Daí compreendi que o sublime, o divino, o poético não está apenas nos versos e na prosa, mas está também no mais dos concretos e burocráticos afazeres, nos pequenos e grandes feitos que fazem da vida vida. Ou como diria Álvaro de Campos: o binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo; o que há é pouca gente para dar por isso.

Fato: nem todo mundo será meteórico como Shakespeare, como Chico Buarque, Patativa do Assaré. Todavia, como disse Nelson Rodrigues: qualquer indivíduo é mais importante do que a Via Láctea. Todo mundo deveria considerar isto para não permitir que se morra por qualquer bala perdida, por falta de hospital, por exemplo; ou, estando vivo, para mesmo não se passar efêmero e indiferente à vida, assim estrela cadente. 


Ana Clara Rebouças

terça-feira, 17 de abril de 2012

 (Cotidianos, por Joyce B. Freitas)



Das Breves Conclusões Cotidianas

Daí, conclui-se que nem sempre os empenhos para a sobrevivência são compatíveis com os desejos mais profundos e sinceros, isto é, a fina flor da existência da cada um ante à raridade disto que chamam vida.

Conclui-se também, e por isso mesmo, que é preciso se ter muita consciência de si mesmo, ou seja, não estar à deriva dos próprios anseios, sonhos, projetos – como lamentavelmente muito se ver por aí, diga-se de passagem – e enquanto isto o que se sente mesmo é a vida passar árdua quando deveria fluir leve.

Conclui-se ainda, e finalmente-por enquanto, que apesar de tudo isto só há um meio de aprendizado, soberando, implacável: vivendo.

Ana Clara Rebouças

sábado, 7 de abril de 2012




(Lírio por Cibelle Moraes, Chapada Diamantina - Ba, 2011)
 
Das cruzes, da felicidade

Dia desses, eu me flagrava pensando inquieta que felicidade, ou isto que chamam de, pressupõe aceita-la, assim, alma aberta. E ocorreu-me pensa-lo justo porque sempre vejo o contrário: gente que simplesmente não a aceita, a felicidade. Daí, fiquei me questionando sobre os motivos e, dentre eles, conclui que muitas vezes se trata daquilo que chamam de “culpa cristã”.

Obviamente, a culpa está longe de ser de Cristo e tem muito mais a ver com as (más) interpretações das suas palavras, as distorções todas Ou, algo como Caeiro havia dito em seu oitavo poema: criou-se um Cristo eternamente na cruz; e deixou-o pregado na cruz que há no céu, e serve de modelo às outras. Claro que o criticaram ferrenhamente por isto, os mandantes do além mundo. Todavia, sigo concordando que é preciso – para se ceder espaço, para enfim aceita-la, a felicidade – é preciso recusar as cruzes todas enquanto modelo ou exemplo a seguir, como se tivéssemos sempre um preço alto a pagar pela condição.

Felicidade é algo como um estado espontâneo, transitório e necessariamente sem cruzes enquanto moeda de troca, isto é, tê-la não implica suplicio, calvário. Felicidade não é roda de espinhos sobre alma leve, que só encontra morada nisto que chamam de liberdade. Definitivamente, felicidade é livre; prescinde de tudo isto. Felicidade é fé, renovação, ética. Benevolência sim, e pelo simples fato de se fazer bem faz bem, nada tem a ver com culpa, com cruzes, sofreres. É isto, nada mais, esta tal felicidade.

Ana Clara Rebouças

segunda-feira, 26 de março de 2012

Passarinho

(Passarinho, por F.Sorlino, Atacama-Chile, 2012)



Passarinho

Ninguém está mais vivo dentro de mim do que o meu pai.
Hilda Hilst

Dia desses, disse-me meu amor: seu pai é um passarinho.
Entendi mais sobre liberdade.


Ana Clara Rebouças

sábado, 24 de março de 2012

Ela, Hilda

Da poesia enquanto vida

Eis que chego à conclusão, passados alguns meses em uma espécie de hibernação criativa, por assim dizer, que poesia é necessidade diária. E, assim sendo, é preciso sim ceder espaço ao verso inusitado ou ao poema elaborado em meio ao turbilhão da rotina, das urgências, da entropia toda do viver.

E eis que a conclusão chega pelas mãos zelosas de uma amiga que resolveu me presentear com os versos lancinantes de Hilda Hilst, e foi um “soco”, como mesmo diz a poetisa. É mesmo necessária dose diária de poesia. 

Conclui que a palavra é um caminho, como tantos outros. Todavia, poesia é parada obrigatória nesta minha trajetória vida afora. É esforço, experimentação, idas e vindas. Poesia é lição de casa, exercício diário, não há como negligenciar. Felicidade nem sempre vem gratuita, diria, quase nunca. Atenção, por exemplo, é moeda mínima.

No mais das contas, há quem espere de mim que eu seja toda som. Há quem almeje que eu seja toda tons, passos, compassos. Há quem sugira que eu seja simplesmente magra, independente das escolhas e trajetos. Há quem exija que eu seja simplesmente pensamentos e pó de giz. Levo seguindo um pouco de tudo, dos conselhos, anseios alheios até o que me diz honestamente a alma minha.

Concluo contudo que, independente, poesia é o meu melhor estar. Riso mais leve, verdade mais sincera, suspiro mais profundo.

Ana Clara Rebouças

É triste explicar um poema. É inútil também.
Um poema não se explica. É como um soco.
E, se for perfeito, te alimenta para toda a vida.
Um soco certamente te acorda e, se for em cheio,
Faz cair tua máscara, essa frívola, repugnante, empolada máscara que tentamos
Manter para atrair ou assustar. Se pelo menos
Um amante da poesia foi atingido e levantou de cara limpa
Depois de ter ler as minhas esbraseadas evidencias líricas,
Escreva, apenas isso: fui atingido.
E aí sim vou beber, porque ha de ser festa
Aquilo que na Terra me pareceu exílio: o ofício de poeta.

Hilda Hilst
(Em Cascos & Carícias & Outras Crônicas)

sábado, 28 de janeiro de 2012

(Foto: Ana Clara Rebouças, Atacama - Chile, 2012)


O amor é do nível das vivências, não das elocubrações...


Ana Clara Rebouças