(Concreto, por Joyce B. Freitas, Rio de
Janeiro)
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Divagações sobre ideais e possibilidades
Qualquer indivíduo é mais
importante do que a Via Láctea.
Nelson Rodrigues
Chega um dado momento da existência nossa
que a pessoa passa a compreender verdadeiramente que a vida é toda ela marcada
pelos ideais possíveis e não exatamente por aqueles tal como Platão os pintou. Ou,
como diz a sabedoria popular: caímos na real, mais cedo ou mais tarde, de que
nem todo sonho é possível, nem toda utopia é integralmente viável, nem todo o
fim de semana é de sol – até porque há sempre quem prefira o aconchego da chuva
na janela – enfim, nem tudo são flores, como afirma também o mesmo saber que
vem da vida vivida. A diferença está justo no fato de tais constatações doerem
menos do que quando se é tão leviano em face ao viver; talvez, como diria
Balzac, antes da idade da razão, ou como alguém que não me recordo o nome já
disse: só deixamos de ser cretinos depois dos trinta, na acepção mais Aureliana
do adjetivo ácido.
Pois bem, é nesta leva, neste tal momento
da vida, que passamos a sofrer menos por exemplo com a troca de uma potencial e
promissora carreira de qualquer coisa que seja por aquela outra que foi mais
viável circunstancialmente, e que nem por isto deixa de nos trazer alegrias
possíveis; ou que aprendemos a nos angustiar menos com os projetos todos –
pessoais e profissionais – que mais correram rebeldes à revelia das
contingências do que sobre o nosso domínio absoluto, ou seja, nem sempre
perfeitos, nem sempre completamente conclusos.
Em contrapartida, aprendemos a renegociar
as possibilidades, e aprendemos às custas de desilusões, desencontros,
embaraços, até porque a incompletude – e já disse isto por aqui – é o que nos
move, isto é, a satisfação plena não deixa de ser uma espécie de morte. No
mais, o que é bonito da vida mesmo é que tudo, absolutamente tudo – desde as
mais amargas experiências – vira aprendizagem, traz a doçura da aprendizagem,
aquele gosto manso, aquele gosto bom de choro consolado. E aprender é sempre
muito bom.
Das abstrações à vida prática, e é a partir
deste tal momento revelador, é que nos convencemos sem tanta dor que a
monografia poderia ter saído melhor do que foi; que o carro do ano fica para a
próxima; que no novo cargo há mais percalços do que o imaginado; que o amor da
vida é um ser humano, com eventuais humores e odores, e não exatamente uma
entidade encantada, um Apolo, um elfo; que a festa de casamento será tão feliz
se na choupana ou se no Taj Mahal, daí vai sempre mais dos valores do que dos
custos, como se diz por aí. E, finalmente, nem todo mundo será um Shakespeare,
um Einstein ou um Niemeyer, aliás, raras são as pessoas que serão tão
fulgurantes assim. Entretanto, emociona muito ver a pessoa comum – o que de
forma alguma exclui a singularidade que cada um traz, e isto é tão bonito do
viver – vê-la então em sua trajetória de vida, levantando e construindo os seus
possíveis com dignidade e grandeza. Daí é o funcionário público que se esmera
para cumprir com excelência a sua função e em serviço do outro; é o professor
que lapida vidas dia a dia, palavra a palavra bem escolhidas; é a doméstica, o
operário civil, o corretor de imóveis, o artista de rua, o cientista, a
presidenta da república.
Dia desses mesmo, eu me emocionava muito com
a administradora de um antigo edifício comercial, desses impregnados de velhas
histórias e novos anseios, que fazia das tripas coração para salvá-lo da completa
decadência, da falência total. Foi preciso minimamente reconhecê-la – como
clama todo ser humano no exercício diário do seu viver. Melhor, foi preciso elogiá-la
intensamente no tanto de doação de existência que ela vertia ali dia a dia,
minuto a minuto, gota de sangue, gota de suor. Daí compreendi que o sublime, o
divino, o poético não está apenas nos versos e na prosa, mas está também no
mais dos concretos e burocráticos afazeres, nos pequenos e grandes feitos que
fazem da vida vida. Ou como diria Álvaro de Campos: o binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo; o que há é pouca gente para dar por isso.
Fato: nem todo mundo será meteórico como
Shakespeare, como Chico Buarque, Patativa do Assaré. Todavia, como disse Nelson
Rodrigues: qualquer indivíduo é mais
importante do que a Via Láctea. Todo mundo deveria considerar isto para não
permitir que se morra por qualquer bala perdida, por falta de hospital, por
exemplo; ou, estando vivo, para mesmo não se passar efêmero e indiferente à
vida, assim estrela cadente.
Ana Clara Rebouças
...para brindar o mês do trabalho...
ResponderExcluirpensei agora no nosso querido geografo que faleceu tem pouco tempo aziz ab'saber, tava lendo um depoimento de uma estudante da usp, ela relatando que dias antes do professor aziz morrer, ele estava até as 21h lendo com muita dificuldade com uma lupa enorme na biblioteca, que estava ja fechando por sinal, era um dia que chovia muito. dai me pergunto, que faria um senhor de 90 anos, na biblioteca estudando ate de noite? a resposta é rápida, 1- muito amor pelo que faz e 2- justamente isso que vc escreveu, nao deixar que nossa vida seja efêmera.
ResponderExcluirque o professor aziz nos traga inspiração!!!!
beijos minha amigona,lindo texto!
marilia.
Oh, Marilyn... que lindo! Realmente, o que faz um senhor de 90 anos, com tanta dificuldade de ler, se debruçar sobre o conhecimento assim? Penso: porque sabe viver. Lindo, lindo! Bjocas
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