(...os liláses de Monet...) Tudo o que eu sei, somente sei porque amo. (Liev Tolstoi, em Guerra e Paz, 1865) |
Já que citamos Gabo no último texto aqui postado, continuemos a falar sobre esta artéria vital que é a literatura, e de seus veios, seus mestres sagrados. É que só mesmo Gabo para me tranqüilizar a respeito das urgências – estas nossas que temos todos, cada um a seu modo e ao seu teor – de lograr um sonho fundamental no espaço-tempo das nossas biografias. No meu caso, um livro. Gabo, por exemplo, me confessa que levou nada menos que dezenove anos para escrever os seus Cem Anos de Solidão. Entre as idas e vindas com enredos e alinhavos, foram então quase duas décadas! Isto me traz certo alento, embora não resolva de todo a inquietude do que estar por se fazer.
É por estas e outras que gosto tanto das biografias, melhor ainda, das autobiografias porque tanto assim conhecemos o quanto de humanidade cabe nos gênios, o quanto de heresia cabe nos santos. Desnudam-se os pecados, revelam-se os segredos, os nossos, inclusive. E reconhecemos pois as incongruências das nossas próprias vidas. Incongruente tem sido o fato de eu não me dedicar o quanto gostaria e deveria à felicidade absurda e dolorosa da escrita. Sim, que não se engane: nem sempre, talvez, quase nunca, os textos fluem; na maioria das vezes, os textos doem. A propósito, Lispector já descrera isto muito bem.
Incongruentes, portanto, têm sido os dias. Às vezes, a sensação é de que a vida caminha tortuosa demais ante aquilo que mais se deseja. Porque penso que seria necessário pausar esta vida prática, ordinária, burocrática para ceder muito mais espaço à criação. E isto nunca tive na vida: tempo largo e exclusivo para a escrita quando esta se revelou a mim enquanto uma necessidade vital. O próprio Gabo revela que não raro passou anos e anos dialogando com as personagens das suas tantas tramas e tecendo ponto a ponto todas as suas vicissitudes. Ou seja, isto requer tempo e espaço vastos, muito vastos.
Não apenas Gabo, mas Sabato também – de quem ficamos órfãos há menos de um mês – nos alertava, em “O Escritor e seus Fantasmas”, que a condição mais preciosa do criador é o fanatismo. E acrescenta: tem que ter uma obsessão fanática, nada deve antepor-se a sua criação, deve sacrificar qualquer coisa a ela; sem este fanatismo não se pode fazer nada importante. Depreendo disto que precisarei – preciso, é bem verdade – de todo tempo, espaço, energia e empenho para a devoção que uma cria exige do seu criador.
A esta altura, este texto deixa de ser algo perto de uma crônica para ganhar mais um tom de desabafo. Uma amiga muito querida, inclusive, do mundo das Letras, diria que aqui – sim, este humilde blog que vos fala – já não é mais espaço para despejos assim tão pessoais. Entendo perfeitamente o que ela quer me dizer, com toda a melhor das suas intenções, todavia entre o entendimento e a liberdade da palavra, cedo à segunda opção porque mesmo implacável.
Outra amiga, igualmente querida e devoradora sagaz da boa literatura, já defenderia o contrário: que caberia aqui a palavra livre, tal como vem ao mundo, desde quando seja em nome de uma constante atualização dos textos postados. Entendo absolutamente também o que me sugere, com a mais nobre das suas intenções, porém entre o entendimento e a rebeldia da palavra, rendo-me à segunda porque ela – a palavra – só vem quando quer.
Enfim, entre liberdades e rebeldias, sigo servindo à palavra. O contrário também se aplica: sigo me servido das palavras. Principalmente porque, em meio às tantas incongruências vividas cotidianamente, o blog é trégua, o blog é uma casa que eu gosto de estar. E que fique claro: não desmerecendo meus esforços e elogios generosos que me chegam, ainda está longe, muito longe do que gostaria de alçar em um livro. Vejo-o, portanto, como pequenos vôos, mas tão cheios de sinceridade e de mim. O blog, esta casa onde gosto de estar.
Sei que ainda precisarei dedicar-me cega e obstinadamente... Resta-me seguir os impulsos...
Ana Clara Rebouças
Ana Clara Rebouças