(Reflexão por Joyce B Freitas, 2011)
Das Boas Ideias
Dias desses, eu pensava o quanto me angustia cogitar que podemos perder - por muito pouco, diga-se de passagem – a melhor das ideias que poderíamos ter tido na vida. Mais grave ainda: talvez, apenas uma vez na vida. Algo como Newton ter pensado na morte da bezerra enquanto a bendita maçã despencava sobre a sua iluminada criatividade, sobre a sua bendita clarividência mesmo. Obviamente argumentaríamos que este insight poderia ter lhe ocorrido em outra circunstância qualquer ou – como os mais crédulos em destino diriam – a teria de qualquer jeito à revelia das intercorrências todas. Todavia, não podemos assegurar nem uma coisa, nem outra com absoluta precisão. Mesmo porque – agora para os mais pessimistas – ele poderia ter morrido no dia seguinte: ao invés de uma maçã, uma jaca imensa sobre a cabeça – irônicas fatalidades do destino. Vai saber.
Pois bem. Motivada por esta recorrente angústia desenvolvi o hábito diário de rezar para que – além de ter a melhor ideia – eu a flagre imediatamente. Sim, que eu tenha a minha melhor e mais original ideia – muito embora afirmem por aí que os gregos já inventaram tudo - e a capte precisamente. Que não se perca entre os cálculos das faturas do cartão de crédito, nem entre as listas de compras. A melhor ideia, portanto, sem tirar nem pôr: pura tal qual ela pediu para nascer em sua integridade. Clamo veementemente para que eu a reconheça, que eu tenha a serenidade necessária, a vigília de salvaguardá-la em meio aos tantos outros pensamentos e urgências que invadem os dias.
Dado o meu fascínio irremediável pela poesia, que o momento da minha mais rara clarividência se expresse através de um livro. Que seja um único, mas profundo, arrebatador, revolucionário livro que afete mentes e almas mundo afora. Nada pretensiosa – eu diria – a maça que espero que despenque sobre minha cabeça hora dessas, mesmo sabendo que os dias tem sido via de regra um trem bala cheio premências e agitações todas, de modo que o que temos de menos é tempo para sombra, água fresca e probabilidades como estas. Porém, modéstia qualquer à parte – e não nos custa sonhar nunca – algo como o rompante de Pessoa quando – de mãos dadas com Caeiro – escreveu de pé, contínua e abruptamente, quase todos os poemas do seu Guardador de Rebanhos. Fragmentos biográficos que li por aí, não sei se procedem, mas inspiram meus desejos mais ávidos pela palavra.
Peço pelos outros também. Porque todo mundo – ao seu modo – quer ter uma melhor ideia. Há quem pense cotidianamente na melhor forma de enriquecer e, portanto, ficar rico seria o desdobramento da sua melhor ideia. Há quem pense em projetos para se melhorar, para melhorar o mundo. Há para quem a melhor ideia é sempre a providência do dia de amanhã, inclusive, aquelas com o que de comer: daí devo concordar sempre com o poeta que "gente é para brilhar, não para morrer de fome". Estas - as providências do sobreviver - não deveriam ser necessariamente a melhor ideia tida ao longo de uma vida. Há tantas raridades a se pensar.
Há que pense diariamente no amor, quem espere tanto do amor e o amor arrebatador, aquele de se construir vida. Há quem planeje a volta ao mundo, um amor em cada lugar. Há quem busque a melhor imagem – de si, do instante, dos flagras todos. Há quem persiga obstinadamente a cor, a forma, o som mais original. Há quem busque a melhor história – aquela nunca antes contada. Há tantos desejos ávidos pelas boas ideias que refazem a vida, o viver.
Ana Clara Rebouças