quinta-feira, 25 de agosto de 2011


(Reflexão por Joyce B Freitas, 2011)


Das Boas Ideias
Dias desses, eu pensava o quanto me angustia cogitar que podemos perder - por muito pouco, diga-se de passagem – a melhor das ideias que poderíamos ter tido na vida. Mais grave ainda: talvez, apenas uma vez na vida. Algo como Newton ter pensado na morte da bezerra enquanto a bendita maçã despencava sobre a sua iluminada criatividade, sobre a sua bendita clarividência mesmo. Obviamente argumentaríamos que este insight poderia ter lhe ocorrido em outra circunstância qualquer ou – como os mais crédulos em destino diriam – a teria de qualquer jeito à revelia das intercorrências todas. Todavia, não podemos assegurar nem uma coisa, nem outra com absoluta precisão. Mesmo porque – agora para os mais pessimistas – ele poderia ter morrido no dia seguinte: ao invés de uma maçã, uma jaca imensa sobre a cabeça – irônicas fatalidades do destino. Vai saber.
Pois bem. Motivada por esta recorrente angústia desenvolvi o hábito diário de rezar para que – além de ter a melhor ideia – eu a flagre imediatamente. Sim, que eu tenha a minha melhor e mais original ideia – muito embora afirmem por aí que os gregos já inventaram tudo - e a capte precisamente. Que não se perca entre os cálculos das faturas do cartão de crédito, nem entre as listas de compras. A melhor ideia, portanto, sem tirar nem pôr: pura tal qual ela pediu para nascer em sua integridade. Clamo veementemente para que eu a reconheça, que eu tenha a serenidade necessária, a vigília de salvaguardá-la em meio aos tantos outros pensamentos e urgências que invadem os dias.
Dado o meu fascínio irremediável pela poesia, que o momento da minha mais rara clarividência se expresse através de um livro. Que seja um único, mas profundo, arrebatador, revolucionário livro que afete mentes e almas mundo afora. Nada pretensiosa – eu diria – a maça que espero que despenque sobre minha cabeça hora dessas, mesmo sabendo que os dias tem sido via de regra um trem bala cheio premências e agitações todas, de modo que o que temos de menos é tempo para sombra, água fresca e probabilidades como estas. Porém, modéstia qualquer à parte – e não nos custa sonhar nunca – algo como o rompante de Pessoa quando – de mãos dadas com Caeiro – escreveu de pé, contínua e abruptamente, quase todos os poemas do seu Guardador de Rebanhos. Fragmentos biográficos que li por aí, não sei se procedem, mas inspiram meus desejos mais ávidos pela palavra.
Peço pelos outros também. Porque todo mundo – ao seu modo – quer ter uma melhor ideia. Há quem pense cotidianamente na melhor forma de enriquecer e, portanto, ficar rico seria o desdobramento da sua melhor ideia. Há quem pense em projetos para se melhorar, para melhorar o mundo.  Há para quem a melhor ideia é sempre a providência do dia de amanhã, inclusive, aquelas com o que de comer: daí devo concordar sempre com o poeta que "gente é para brilhar, não para morrer de fome". Estas - as providências do sobreviver - não deveriam ser necessariamente a melhor ideia tida ao longo de uma vida. Há tantas raridades a se pensar.
Há que pense diariamente no amor, quem espere tanto do amor e o amor arrebatador, aquele de se construir vida. Há quem planeje a volta ao mundo, um amor em cada lugar. Há quem busque a melhor imagem – de si, do instante, dos flagras todos. Há quem persiga obstinadamente a cor, a forma, o som mais original. Há quem busque a melhor história – aquela nunca antes contada. Há tantos desejos ávidos pelas boas ideias que refazem a vida, o viver.
Ana Clara Rebouças

terça-feira, 16 de agosto de 2011

(Por Joyce B. Freitas, Chapada Diamantina, 2011)


Do Amor, das Contradições
Dia desses, eu escrevia inspirada em Benedetti sobre o quanto o amor é uma trégua na vida. O quanto que é flor entre escombros das urgências; o quanto que é brisa frente às intempéries vulcânicas que são o concreto dos dias. Pois bem: o seria – e é mesmo – uma trégua para tudo isto, para as duras exigências todas; um lugar bom; um refúgio, uma morada desde a alma até um estar no mundo assim mais cheio de paz. Ao menos em tese, diriam os mais niilistas, pessimistas, etc.
Há um tempo escrevia também que o amor me parecia uma casa muito bem acomodada, onde se pudesse sempre se chegar descalça, despenteada, assim, meio descompromissada com as ditaduras todas, mas conclui ultimamente que não é bem deste modo que as coisas se processam. E aqui talvez resida o maior dos pecados dos amantes de longos tempos: acomodar-se não significa – em nenhuma instância – abandonar-se dos zelos, negligenciar-se dos cuidados que depuram a existência. Jamais. Inclusive, engana-se quem pensa que o amor seja completamente cego. Assim fosse, teríamos então uma grande contradição: afinal de contas, quando se amou, amou-se por inteiro, íntegro, pleno de si para contemplação própria, do outro, da vida.
Outra grande contradição seria – por desleixo, excesso de acomodação, ou coisa outra qualquer – não reservar ao amor o melhor que há em si. O que há de mais fino, de mais elaborado, mesmo na dureza que tem sido sobreviver às premências todas. Porque os cotidianos da maioria que labuta a vida são sim – ou tendem a ser – rolos compressores sobre toda sorte de delicadezas que oxigena o amor. É preciso sempre salvá-las, portanto. É preciso depurá-las com muita atenção, as delicadezas. Estar atento, pois, e isto nada tem a ver com acomodação.  
Finalmente, é preciso também interromper os óbvios. Amar é também surpreender-se em meio aos previsíveis. Canso de repetir que é imprescindível flor no meio das segundas-feiras; lilases e café nas quartas; alegrias; ousadias; sonhos renovados sempre. É preciso tanto e tão pouco para amar. Acima de tudo – repito – é preciso não perder-se de si mesmo.
Ana Clara Rebouças  

sábado, 6 de agosto de 2011

(Por Joyce B. Freitas, Pimenta de Cheiro, Salvador-Ba, 2011)




De Coragem e Zelo
Meu amor,
Há pouco se completou meio ano que te amo tanto que resolvi anunciá-lo assim aos quatro ventos, entendendo que escrever é sempre um ato extremo de revelar-se, meio desesperado de entender-se, enfim, de desnudar-se desde a alma. É assim escrever – tem sido assim – ainda mais quando se ama.
Pois bem: eis aqui um manifesto público do meu fascínio grave pela sua presença luminosa nos meus dias. Devo dizer também que nestes últimos tempos estar ao seu lado tem me enchido de coragem ante a vida. A propósito, o amor não é mesmo afeito à coragem? Aliás, seria todo amor assim, dado à coragem? Não sei. Mas se não for mesmo o caso, só sei que te amar particularmente me enche de: você é a coragem. E estou feliz com tudo isto.
Feliz. Vai ver então que Nietsche tinha razão: “a alegria da vida é a luta, amigos”. E se é mesmo a luta – se não vencê-la, ao menos vivê-la intensamente – seria a coragem que vem do amor que nos move mais fortalecidos frente às batalhas cotidianas todas. O acordar, as seqüências dos dias, os inusitados, a sobrevivência, pois: o amor amansa.
Afora batalhas e coragem, eis que o amor é todo ele zelo. Sim, na contramão das lutas, políticas, diplomacias, concessões e estratégias, o amor também é afeito ao zelo. É como dizia brilhantemente a senhora Lispector (acho que ela mesma): todos os dias quando acordo, corro para tirar a poeira da palavra amor. É verdade: sobre o amor, não se pode deixar assentar a poeira densa dos mal-entendidos, das torpezas tão intrínsecas à condição humana, das hostilidades possíveis mesmo quando se ama tanto. Definitivamente, é preciso espanar a poeira. Lustrar o amor, revelar diariamente os seus brilhos, seus encantos. Amor é para reluzir à revelia do peso ofuscante dos dias e suas contingências todas.  
Amor é todo zelo. É olhar de primeira vez. Aliás, a vida toda – o mistério de viver todo ele – deveria ser sempre um olhar de primeira vez porque tudo é dado a se acostumar: do sofrer à beleza insondável que é o existir de tudo. Resta-nos então, amor, é um acostumar-se encantado: assim cheio de coragem e zelo.
Ana Clara Rebouças