quinta-feira, 28 de julho de 2011

(por Ana Clara Rebouças, São Paulo – SP, 2011)
Hortênsias
Aos Sorlinos
Dia desses, eu partilhava muito honrada e feliz da alegria absurda de uma família que então se reencontrava após mais de década. Tratava-se da reunião de seis filhos em razão do aniversário da matriarca: não haveria outra descrição que lhe coubesse dada a grandeza da sua presença ali, na vida, nos dias dos seus, e agora também na minha, em algum grau. Tamanha grandeza ocupava aqueles poucos metros quadrados da morada acolhedora de um bairro de São Paulo que seria impossível não sucumbir à profusão dos sentimentos que perpassavam olhares e dizeres por ali.
Em certo momento, um dos netos – aquele que mais expressou a extraordinária emoção que embalava a todos ali – disse com toda a espontaneidade de alma de criança: “o melhor lugar do mundo é a sala da minha avó”. Ele estava absolutamente certo, considerando o tanto de memórias, retratos, lembranças, cores e tons expostos e tecidos pelas mãos nobres e laboriosas da aniversariante sempre tão zelosa. O jeito de hortênsias que as coisas ali têm; a nobreza das hortênsias sobre os gestos. Considerando ainda o reencontro, ele então tinha toda a razão sobre o quanto de amores intensos cabia naqueles poucos metros bem partilhados: e isto não faz mesmo maravilhoso o viver?
Maravilhoso também era ser cúmplice desta alegria imensa, embora entremeada de certas nostalgias, incertezas, incompletudes: mas não é mesmo assim o viver, incongruente? Era mesmo preciso sentir de perto, naqueles poucos metros quadrados tão bem partilhados, o tanto de amor que os mobilizava ali, em todos os dias de suas vidas. O mesmo amor que nos faz humanamente viáveis ante as torpezas mundo afora.
Apesar dos pesares, ainda tem sido o amor o melhor lugar do mundo.
Ana Clara Rebouças

terça-feira, 12 de julho de 2011

(Plenitude, por Joyce B. Freitas, Salvador-Ba, 2011)



Da plenitude
Se há finitude neste viver nosso – esta mesma com a qual temos que nos conformar penosamente todas as vezes em que revivemos o adeus – há também algo em sua contramão, como um contraponto, como a plenitude. Plenitude é algo então como se dá conta que – em que pese as incompreensíveis e injustas medidas do quanto de vida é possível existir – há de ser pleno nos possíveis cotidianos.
Algo como se fosse fundamental e premente se aprender a viver o absoluto das horas, dias, meses, anos: nunca sabemos quanto, pois. Plenitude é algo como o único antídoto contra a angústia de não se saber, angústia ante as biografias, em algum grau, sempre inacabadas. É algo como se convencer do infindável possível e cabível em cada momento vivido tal como o ínfimo intervalo entre o zero e hum encerra também o infinito, tal qual a ousadia de dois pequeninos pontos que traçam retas inexoráveis no tempo, no espaço.
E as retas – estas da vida prática – são mais sinuosas que pretendem os mais obstinados pelos caminhos bem traçados. A vida é toda ela tortuosa: as travessias, as trajetórias, o transitar por entre a gente, os planos, as expectativas, as renovações. Fragmentos dos sonhos, a incompletude. Os contínuos e descontínuos; os limites e a superação. Aqueles que atravessaram, aqueles que ficaram no meio do caminho, aqueles que nem início. A lógica convulsa do viver: a plenitude é o que nos resta.
Ana Clara Rebouças

terça-feira, 5 de julho de 2011

(Foto: Ana Clara Rebouças, Salvador-Ba, 2010)

Da felicidade
Outro dia, o meu amor me chegou dizendo – e sua revelação me caiu com a leveza de folha de outono sobre os ombros – que a felicidade é uma questão de aprendizado. Depois de muito refletir sobre, conclui também que há, lamento, muita gente que de fato não sabe ser feliz. Sim, simplesmente não sabe ser feliz e, ao mesmo tempo em que isto possa parecer assim tão descabido, tão absurdo, é perfeitamente compreensível não sabê-la, a felicidade. Por que, quem bem a ensina? Em que escola se aprende? Que escola se não esta a dos improvisos, da humildade das tentativas nossas, dos tortuosos todos da vida esta cotidiana, dos planos para o futuro, todos esses sem garantia de alcançá-la? Daí, eu me perguntava, neste esteio doce que é o esforço do entendimento, como é mesmo que se aprende a felicidade?
Dentre as inconclusivas respostas já tecidas pelos tantos poetas, filósofos, até cientistas, santos, visionários, mocinhos e bandidos, aquela que mais se aproxima da pergunta acima, talvez, seja justamente aquela que vem da sabedoria dita popular quando dizem as Marias e os Josés por aí que “se foi feliz e não sabia”. Se foi então possível ser feliz em algum corte do tempo e não se deram conta, é porque a felicidade deve estar mesmo em um nível de se saber, de assim se perceber: feliz, apesar das contingências todas.
E entre tantas imprecisões e incertezas – estas de se perceber como pré-requisito para ser feliz – restou-me ser mais pragmática no momento. Fugi da profundidade de se saber. Daí, sai listando possíveis felicidades – porque realmente, de tão intensas, são mesmo felicidades. Por exemplo, ouvir Ella Fitzgerald e Louis Armstrong cantando Summer Time; fora eles, radinho de pilha cheio de memórias para se escutar, há sempre uma canção preferida para nos lembrar que viver vale muito à pena. Digo sempre e continuarei repetindo: café e pão de queijo ou bolo de laranja, ou biscoitos feitos todo a zelo são de uma felicidade absurda. O melhor poema lido nos últimos tempos: e isto é tão renovado a cada encontro com o inusitado dos versos que por si só – a renovação – se constitui uma felicidade extrema. Beira-mar, pôr-do-sol, ninho de passarinho, trilha de formiga em seu devido lugar são de praxe, mas são todos absolutamente felizes, o que há é muita gente já mal acomodada na felicidade que vem deles.
Outros itens possíveis: a feliz disposição de viver que o amor dá, como bem me disse uma grande amiga dia destes. Eu lembraria a ela, todavia, que o revés também se aplica: amar requer a feliz disposição de viver, e vivê-lo, o amor. Mais um item fundamental: abandonar certos pressupostos equivocados que maculam a fineza do próprio existir é matéria básica em termos de se ser feliz. Daí, voltamos ao início quando dizíamos que fundamental mesmo, em assunto de felicidade, é se saber; se perceber; não estar alheio a si. Fato.
E não é que eu esteja falando exatamente do lugar da felicidade – porque para falar assim seria imprescindível habitar por lá, ser absolutamente feliz, se é que isto é realmente possível, e realmente não é o caso – mas ao menos sigo aprendendo o “caminho das pedras”. Há um “caminho das pedras”: se saber, por exemplo. Eu, por exemplo, me sei encontrar naqueles itens; sei-me, por exemplo, que a minha felicidade não é bem a do tipo que está à venda na concessionária mais próxima ou no sorriso astuto do corretor de imóveis. Nada contra, nada mesmo, quem assim seja realmente feliz. Talvez, quem sabe, seja até mais fácil ou mais objetivo do que a minha felicidade que está em um estado, digamos, mais imaterial, etéreo, amorfo. Enfim. Enquanto ela – a felicidade – não nos chegue plena, e temos dúvidas se assim é possível, vivamos os itens felizes estes da cotidianidade.
Ana Clara Rebouças