(Foto: Ana Clara Rebouças, Salvador-Ba, 2010)
Da felicidade
Outro dia, o meu amor me chegou dizendo – e sua revelação me caiu com a leveza de folha de outono sobre os ombros – que a felicidade é uma questão de aprendizado. Depois de muito refletir sobre, conclui também que há, lamento, muita gente que de fato não sabe ser feliz. Sim, simplesmente não sabe ser feliz e, ao mesmo tempo em que isto possa parecer assim tão descabido, tão absurdo, é perfeitamente compreensível não sabê-la, a felicidade. Por que, quem bem a ensina? Em que escola se aprende? Que escola se não esta a dos improvisos, da humildade das tentativas nossas, dos tortuosos todos da vida esta cotidiana, dos planos para o futuro, todos esses sem garantia de alcançá-la? Daí, eu me perguntava, neste esteio doce que é o esforço do entendimento, como é mesmo que se aprende a felicidade?
Dentre as inconclusivas respostas já tecidas pelos tantos poetas, filósofos, até cientistas, santos, visionários, mocinhos e bandidos, aquela que mais se aproxima da pergunta acima, talvez, seja justamente aquela que vem da sabedoria dita popular quando dizem as Marias e os Josés por aí que “se foi feliz e não sabia”. Se foi então possível ser feliz em algum corte do tempo e não se deram conta, é porque a felicidade deve estar mesmo em um nível de se saber, de assim se perceber: feliz, apesar das contingências todas.
E entre tantas imprecisões e incertezas – estas de se perceber como pré-requisito para ser feliz – restou-me ser mais pragmática no momento. Fugi da profundidade de se saber. Daí, sai listando possíveis felicidades – porque realmente, de tão intensas, são mesmo felicidades. Por exemplo, ouvir Ella Fitzgerald e Louis Armstrong cantando Summer Time; fora eles, radinho de pilha cheio de memórias para se escutar, há sempre uma canção preferida para nos lembrar que viver vale muito à pena. Digo sempre e continuarei repetindo: café e pão de queijo ou bolo de laranja, ou biscoitos feitos todo a zelo são de uma felicidade absurda. O melhor poema lido nos últimos tempos: e isto é tão renovado a cada encontro com o inusitado dos versos que por si só – a renovação – se constitui uma felicidade extrema. Beira-mar, pôr-do-sol, ninho de passarinho, trilha de formiga em seu devido lugar são de praxe, mas são todos absolutamente felizes, o que há é muita gente já mal acomodada na felicidade que vem deles.
Outros itens possíveis: a feliz disposição de viver que o amor dá, como bem me disse uma grande amiga dia destes. Eu lembraria a ela, todavia, que o revés também se aplica: amar requer a feliz disposição de viver, e vivê-lo, o amor. Mais um item fundamental: abandonar certos pressupostos equivocados que maculam a fineza do próprio existir é matéria básica em termos de se ser feliz. Daí, voltamos ao início quando dizíamos que fundamental mesmo, em assunto de felicidade, é se saber; se perceber; não estar alheio a si. Fato.
E não é que eu esteja falando exatamente do lugar da felicidade – porque para falar assim seria imprescindível habitar por lá, ser absolutamente feliz, se é que isto é realmente possível, e realmente não é o caso – mas ao menos sigo aprendendo o “caminho das pedras”. Há um “caminho das pedras”: se saber, por exemplo. Eu, por exemplo, me sei encontrar naqueles itens; sei-me, por exemplo, que a minha felicidade não é bem a do tipo que está à venda na concessionária mais próxima ou no sorriso astuto do corretor de imóveis. Nada contra, nada mesmo, quem assim seja realmente feliz. Talvez, quem sabe, seja até mais fácil ou mais objetivo do que a minha felicidade que está em um estado, digamos, mais imaterial, etéreo, amorfo. Enfim. Enquanto ela – a felicidade – não nos chegue plena, e temos dúvidas se assim é possível, vivamos os itens felizes estes da cotidianidade.
Ana Clara Rebouças