sábado, 19 de abril de 2014

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Do amor: “poeira” e desejo...

Quando você escolhe uma pessoa para amar – e esta pessoa acolhe este amor, o que chamam então de reciprocidade – eis que algo divino já ocorre desde daí. Afora isto, chegam os dias com suas brisas e revoluções.

Tenho um imã de geladeira de onde se observa: todo dia, quando acordo, vou correndo tirar a poeira da palavra amor. A frase é atribuída à senhora Lispector; mas nunca se sabe a verdadeira procedência das coisas nos dias de hoje, neste mundo tão poroso. Sendo ou não, fato é que é bem acertada.

Quem ama sabe das poeiras que se assentam sobre o amor, inevitavelmente. Porque poeira são partículas que advém de tudo que habita o entorno; da pele, por exemplo. Por isso, inevitáveis, intrínsecas, às vezes.

E, poeira, sabemos: quanto mais se acumulam, mais embaçam, desgastam, arranham o amor. Daí, espaná-la evita mesmo desgastes, ranhuras, opacidades. Afinal, a gente sempre quer o amor liso, lindo e lustrado – com aquela cara de quem nunca vai quebrar – tal como quando nos chegou novinho em folha, refletido naquele brilho de primeiro olhar.

Tiremos a poeira, então. Dá trabalho, mas há grandes recompensas. Tiremos a poeira! E tirá-la, agora do concreto à abstração, está nas palavras de doçura; está nas reconciliações; nos bons e justos acertos de contas; em tudo, enfim, que se pode fazer em nome do amor.

Já do desejo, este é um caminho bem mais sinuoso. Isto porque, advertia-me dia desses uma filósofa*, quem eu respeito bastante, desejo é desobediência, pura rebeldia. Claro que não é tão simples assim; uma hora dessas, pretendo divagar mais sobre.

Por ora, muito resumidamente, temos: enquanto amor é templo sagrado, desejo é subversão. Amor é plenitude; desejo, insatisfação. Assim, sendo dado à rebeldia, uma vez satisfeito, abandona a sua própria condição. Mas, em que pesem discrepâncias entre o amor e o desejo, não é mesmo a insatisfação que nos move?

Bem, resta ao amor o eterno e desafiante convite do desejo à sua forma original; e isto quer dizer, à sua latência, à sua satisfação “não satisfeita”, ao seu meio-caminho, enfim. Resta ao amor o eterno e desafiante convite do desejo ao seu doce e (des)empoeirado lar.


Ana Clara Rebouças

 
*Marilena Chauí em Desejo, Paixão e Ação na Ética de Espinosa, 2011.

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