terça-feira, 24 de dezembro de 2013


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Natal

Para Fabiola Sorlino

Houve um tempo em que eu me questionava sobre o sentido do Natal. Sentia até certa irritação neste período; e todos sabem bem os motivos: consumismo, confusão, trânsito, nostalgia, muito calor ou muito frio, a depender de onde se esteja. Obrigações de toda espécie sobrepondo-se a espontaneidade dos encontros; e, pior, acirramento do desigual. Tristeza.

É bem possível que tudo isto proceda em alguma dose, é continuo reflexiva sobre isto, e “tentando fazer a minha parte”, como dizem por aí. Mas o fato é que parei, hoje em dia, de questionar o Natal em si. Até porque me irritar ou entristecer não resolve em nada os problemas meus ou do mundo afora.

Enfim, parei de criticar o Natal. E simplesmente porque passo a pensar o Natal enquanto trégua. Sim, trégua. Pausa, “time”, um “dois altos”, como se costuma dizer nas brincadeiras infantis aqui na Bahia. Uma bendita e bem vinda trégua!

Este efeito de “quase” parar o mundo – ao menos nas poucas horas da véspera ao grande dia – é absolutamente fantástico! Porque neste mundo louco, violentamente desenfreado, é quase um milagre fazer parar. É então um verdadeiro e extraordinário feito! Por isso a trégua. E por isso meu atual e grande apreço!

Óbvio que parar não significa necessariamente não trabalhar. Inclusive, tem muita gente trabalhando, fora e dentro de casa, e muito! Talvez até mais do que em qualquer época do ano aquela correria! A propósito, o que seria este “parar” então? Parar aqui ganha outro sentido; até porque o parar absoluto não existe senão na morte. E evidentemente não é isto que queremos.

Parar aqui significa amar mais; sentir mais a vida pulsando a serviço do amor, do amar. E sentir esta vida mesmo que temos a viver porque única. Parar aqui é se reconhecer e reconhecer o outro, com ou sem presente, com ou sem presença. Valorizar cada instante que se vive. Parar, enfim, é aquilo que cada um tem a liberdade de atribuir a.

Então, se trabalhador ou não, o Natal faz “parar” ou literalmente parar. Para o árduo trabalhador que não para na ocasião, algum dia irá parar porque foi Natal. Seja consumista ou não, em algum momento, o Natal faz parar.

Seja cético ou crédulo, o Natal faz parar. Se ateu ou não, o Natal faz parar. Se cristão ou não cristão – é bom lembrar – todo deus é válido. Toda fé é válida.

Uma feliz trégua para toda a gente! Um Feliz Natal!

Ana Clara Rebouças

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

(Rosa e Celeste, Mendoza, 2013 por ACRC)


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Subversiva, Digo Sim!

Para Juliana Mendes (a Xoly)

Dia desses deparei-me, nada mais nada menos, com a delicada subversão contida em cada verso do nosso grandioso e notável Ferreira Gullar. Qual foi a minha surpresa ao me inquietar com o golpe certeiro de cada palavra, justo sobre a quietude das minhas próprias palavras, tão ausentes por aqui. Dentre as riquezas das suas poesias, Subversiva e Digo Sim me alvejaram sem quaisquer possibilidades de defesa!

Subversiva cortou-me alma dentro, com precisão de navalha, lembrando-me, com pulso firme, que poesia é de fato soberana, rebelde, impositiva frente à seriedade dos dias. Poesia ri deliberadamente da burocracia porque procrastina prazos e nem mesmo reconhece a noção própria de hierarquia. Quebra protocolos, duvida da sensatez. Que não se enganem: poesia rompe as convenções porque livre, tal como se quer ser.

Exemplo particular disto é: quanto mais tenho compromissos e urgências, mas a poesia chega arrebatadora, e arrebentando tudo. Senta-se displicente e confortável sobre os meus caos e ebulições, não está nem aí para isto, mas me faz clandestina e absurdamente feliz. Para mim, poesia é poesia mesmo, assim, stricto senso. É sentar e escrever, escrever, reescrever, amar e odiar as palavras até um determinado ponto final. Para outros, poesia é qualquer coisa que dê muito prazer e que traga tréguas ao cotidiano das obrigações. Em ambos os casos, poesia pausa as durezas da vida, daí, a sua irresistível tentação, sua doce subversão.

Digo Sim, por sua vez, pousou-me sobre os ombros – leveza de borboleta, peso de missão – e eis que me encontro mesmo impelida a retomar palavras em ponto de cruz, ou o que chamam por aí de poesia. E lá se vou eu, como sugere o poeta, e em meio a tantos encontros e desencontros, dizer sim mais uma vez. E por que não?! Então, sim! Que venha - rebelde e subversiva - a poesia nossa de cada dia!

Ana Clara Rebouças





Subversiva

A poesia
Quando chega
Não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
De qualquer de seus abismos
Desconhece o Estado e a Sociedade Civil
Infringe o Código de Águas
Relincha
Como puta
Nova
Em frente ao Palácio da Alvorada.
E só depois
Reconsidera: beija
Nos olhos os que ganham mal
Embala no colo
Os que têm sede de felicidade
E de justiça.
E promete incendiar o país.

Ferreira Gullar

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Digo Sim


Poderia dizer
Que a vida é bela, e muito,
E que meu coração
É um sol de esperanças entre pulmões
E nuvens
Mas não. O poeta mente.

A vida nós a amassamos em sangue
E samba
Enquanto gira inteira a noite
Sobre a pátria desigual
A vida
Nós a fazemos nossa
Alegre e triste, cantando
Em meio à fome
E dizendo sim
– em meio a tanta violência e a solidão dizendo sim –

Pelo amor e o que ele nega
Pelo que dá e que cega
Pelo que virá enfim,
Não digo que a vida é bela
Tampouco me nego a ela:
- digo sim.


Ferreira Gullar