domingo, 16 de outubro de 2011

(Por Ana Clara Rebouças, RJ– RJ, Janeiro - 2011)


Do amor, seus reveses
Dia desses, eu pensava mais uma vez sobre o amor – tema mais recorrente que este não há – e concluía algumas meias verdades sobre: o amor é um meio caminho à liberdade, por exemplo. Sim porque em se tratando de amor, os absolutos cedem sempre lugar aos relativos, aos meios caminhos. Concluo que amar é mesmo um meio caminho entre a liberdade e uma espécie de cárcere muito cômodo onde se quer tanto estar. Amor é liberdade-custódia.
Pensava também de que se trata – o amor – das coisas mais ambíguas, contraditórias e mais sábias ao mesmo tempo. Encanta-me, por exemplo, perceber que desde as mais românticas criaturas, ultra-românticas, até as das mais céticas e cartesianas (aqueles para quem a vida é nada mais que exatidão, assepsia e burocracia) já se padeceu – ao menos uma vez na vida – de amor alucinando, visceral. Em que pese a sua tendência ao caos, à entropia, e a dês-razão, é das coisas mais geniais que inventaram desde a condição humana, seguro.
Uma última conclusão transitória acerca do amor, tão perturbadora e contraditória quanto lhe convém: “amor só é bom se doer”, como cantava o poeta. Se se trata de amor, não se sai ileso. Jamais. No mais, sobre o amor, seguimos pois com as meias verdades.
Ana Clara Rebouças

quinta-feira, 6 de outubro de 2011


(Águas, por Ana Clara Rebouças, Chapada Diamantina - Ba, 2008)

Dos Encantos
Para Marília Prado
Hoje é o aniversário de uma grande amiga, queridíssima. Amiga daquelas que não mais se consegue conceber a vida sem. Dentre as tantas coisas geniais que me diz, lembrou-me, em meio a uma semana tão torturante de deveres e prazos, que o cotidiano, ainda que pesem as esmagadoras urgências todas, o cotidiano não pode perder seu encanto.
É, minha amigona, concordo que, sob o risco de adoecermos gravemente de alma embrutecida-acinzentada, ou enrijecida tal concretos, o encanto não pode mesmo abandonar o dia a dia. Não pode abandonar – o encanto – as horas, minutos, segundos deste mistério mesmo encantador que é existir. Não pode. A vida é mesmo muito rara para se desencantar.
E assim, portanto, na circunstância do seu aniversário – dia que brindamos a sua existência encantadora nas nossas vidas – retomo com muita alegria os escritos neste blog que, diga-se de passagem, alimenta-se do seu entusiasmo, da sua presença sempre. Muito obrigada, Marylin. Felicidades, minha grande amiga.
Ana Clara Rebouças
O Falso Mendigo

Vinícius de Moraes

Minha mãe, manda comprar um quilo de papel almaço na venda
Quero fazer uma poesia.
Diz a Amélia para preparar um refresco bem gelado
E me trazer muito devagarinho.
Não corram, não falem, fechem todas as portas a chave
Quero fazer uma poesia.
Se me telefonarem, só estou para Maria
Se for o Ministro, só recebo amanhã
Se for um trote, me chama depressa
Tenho um tédio enorme da vida.
Diz a Amélia para procurar a "Patética" no rádio
Se houver um grande desastre vem logo contar
Se o aneurisma de dona Ângela arrebentar, me avisa
Tenho um tédio enorme da vida.
Liga para vovó Neném, pede a ela uma idéia bem inocente
Quero fazer uma grande poesia.
Quando meu pai chegar tragam-me logo os jornais da tarde
Se eu dormir, pelo amor de Deus, me acordem
Não quero perder nada na vida.
Fizeram bicos de rouxinol para o meu jantar?
Puseram no lugar meu cachimbo e meus poetas?
Tenho um tédio enorme da vida.
Minha mãe estou com vontade de chorar
Estou com taquicardia, me dá um remédio
Não, antes me deixa morrer, quero morrer, a vida
Já não me diz mais nada
Tenho horror da vida, quero fazer a maior poesia do mundo
Quero morrer imediatamente.
Fala com o Presidente para fecharem todos os cinemas
Não agüento mais ser censor.
Ah, pensa uma coisa, minha mãe, para distrair teu filho
Teu falso, teu miserável, teu sórdido filho
Que estala em força, sacrifício, violência, devotamento
Que podia britar pedra alegremente
Ser negociante cantando
Fazer advocacia com o sorriso exato
Se com isso não perdesse o que por fatalidade de amor
Sabe ser o melhor, o mais doce e o mais eterno da tua puríssima carícia.